PREFEITURA SANTANA

Cientistas investigam pessoas imunes à covid-19

Em um estudo divulgado na plataforma medRxiv, pesquisadores brasileiros deram os primeiros passos para entender por que algumas pessoas são naturalmente resistentes à infecção pelo novo coronavĂ­rus

Por Redação em 12/05/2021 às 20:57:51

Em um estudo divulgado na plataforma medRxiv, pesquisadores brasileiros deram os primeiros passos para entender por que algumas pessoas são naturalmente resistentes à infecção pelo novo coronavĂ­rus.

O trabalho se baseou na anĂĄlise do material genético de 86 casais em que apenas um dos cônjuges foi infectado pelo SARS-CoV-2, embora ambos tenham sido expostos. Os resultados – ainda em processo de revisão por pares – sugerem que determinadas variantes genéticas encontradas com maior frequĂȘncia nos parceiros resistentes estariam associadas à ativação mais eficiente de células de defesa conhecidas como exterminadoras naturais ou NK (do inglĂȘs natural killers).

Esse tipo de leucócito faz parte da resposta imune inata, a primeira barreira imunológica contra vĂ­rus e outros patógenos. Quando as NKs são acionadas corretamente, conseguem reconhecer e destruir células infectadas, impedindo que a doença se instale no organismo.

De acordo com a coordenadora do Genoma USP, Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Mayana Zatz, a hipótese é que as variantes genômicas mais frequentes nos parceiros suscetĂ­veis levem à produção de moléculas que inibem a ativação das células NK. "Mas isso é algo que ainda precisa ser validado por meio de estudos funcionais", diz Mayana que também é professora do Instituto de BiociĂȘncias da Universidade de São Paulo.

Estudo

A identificação dos casais e a coleta de material dos voluntĂĄrios para o estudo foram conduzidas pelo bolsista de pós-doutorado da Fapesp Mateus Vidigal. "O primeiro passo foi fazer um teste sorológico para excluir da amostra eventuais casos assintomĂĄticos [pessoas que, na verdade, haviam sido infectadas, mas não apresentaram sintomas]. Após a triagem, restaram 86 casais de fato sorodiscordantes, ou seja, em que apenas um cônjuge carregava no sangue anticorpos contra o novo coronavĂ­rus", relata Vidigal.

Enquanto no grupo dos suscetĂ­veis havia uma maioria de homens (53 contra 33), as mulheres predominavam entre os resistentes (57 contra 29). Vidigal destaca que a pesquisa foi conduzida antes do surgimento das novas cepas do SARS-CoV-2, consideradas mais transmissĂ­veis. "Não temos certeza de que os achados seriam os mesmos em pessoas expostas à P.1., por exemplo", pondera.

Apesar de não ter feito parte do estudo, a escaladora de voos Victória Mesquita de Sousa, de 23 anos, conta como o marido foi infectado pelo novo coronavĂ­rus, e ela, não. Segundo Victória, em um fim de semana, ambos foram à casa dos pais dele. "Tive contato com eles, nos abraçamos, minha cunhada até espirrou perto de mim. Uma semana depois, minha sogra e a cunhada informaram que tinham testado positivo e até passaram mal com sintomas."

Victória lembra que, então, ela e o marido foram fazer os exames. "Continuamos temos contato normal, dormimos na mesma cama, bebemos no mesmo copo, não tivemos uma separação, não fizemos isolamento. Só o Rafael testou positivo. Ele ficou febril, teve dor de cabeça, perda de paladar, dor no corpo, nada muito forte, e tosse, que foi o que permaneceu mesmo depois de um mĂȘs. E eu não senti nada, e meu exame deu negativo. Ficamos isolados do trabalho, mas eu continuei trabalhando de casa. Ajudei a cuidar dele, fiquei junto com ele o tempo inteiro," O marido de Victória, o controlador de voos Rafael Barbosa de Oliveira, de 33 anos, foi infectado em fevereiro deste ano.

Herança complexa

De acordo com Mayna Zatz, o fato de a resistĂȘncia ao SARS-CoV-2 ser uma caracterĂ­stica relativamente comum na população – diferentemente do HIV, causador da aids, por exemplo – fala a favor de uma herança genética complexa, na qual muitos genes estão envolvidos.

"Isso significa que, para achar algo significativo ao olhar o genoma como um todo, seria preciso ter uma amostra gigantesca, com mais de 20 mil voluntĂĄrios. Decidimos, então, focar em dois grandes grupos de genes relacionados com a resposta imune: o complexo principal de histocompatibilidade [MHC, na sigla em inglĂȘs] e o complexo de receptores leucocitĂĄrios [LRC]. São os genes do MHC que definem, no caso de um transplante, por exemplo, se dois indivĂ­duos são compatĂ­veis, ou não", explica a pesquisadora.

Mesmo com esse filtro, a tarefa estava longe de ser trivial. Alguns dos genes que integram os dois complexos chegam a ter mais de 7 mil formas alternativas, também chamadas de polimorfismos. Um exemplo de polimorfismo são os diferentes tipos sanguĂ­neos. Existem quatro variantes genéticas dentro do sistema ABO: A, B, AB e O. No caso dos complexos MHC e LRC, alguns genes tĂȘm milhares de variantes", ressalta a pesquisadora.

Para ajudar na empreitada, o grupo do IB-USP estabeleceu colaboração com Erick Castelli, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu. Recentemente, com apoio da Fapesp, Castelli desenvolveu métodos computacionais que facilitam o estudo dos complexos MHC e LRC.

"Imagine que vocĂȘ estĂĄ tentando montar um quebra-cabeça [o genoma] com base em uma Ășnica referĂȘncia, mas hĂĄ vĂĄrias peças muito parecidas e milhares de possibilidades para a mesma peça, com alterações muito sutis entre elas, tornando impossĂ­vel saber onde cada uma se encaixa. O algoritmo se baseia em milhares de sequĂȘncias jĂĄ descritas para esses genes para decidir o local de cada peça, fazendo a montagem do genoma de forma muito mais detalhada. O método também permite inferir qual é a sequĂȘncia de cada cromossomo e qual proteĂ­na seria produzida a partir de cada gene",diz Castelli.

A anĂĄlise do complexo MHC indicou que variantes de dois genes – conhecidos como MICA e MICB – parecem influenciar a resistĂȘncia ao SARS-CoV-2. Segundo Castelli, a expressão desses genes normalmente aumenta quando as células estão sob algum tipo de estresse, e isso leva à produção de moléculas que se ligam a receptores das NK, sinalizando que tem algo errado com aquela célula.

"No caso do MICA, o polimorfismo mais frequente nos indivĂ­duos infectados aparentemente faz com que a proteĂ­na codificada por esse gene seja produzida em maior quantidade, possivelmente na forma solĂșvel, o que inibe a ativação das células NK. No caso do MICB, entre os suscetĂ­veis, foi 2,5 vezes mais frequente uma variante associada à menor expressão do RNA mensageiro que codifica a proteĂ­na ativadora de NK. Os dois caminhos, portanto, levariam à menor ativação dessa barreira imunológica", acrescenta o pesquisado. Ele destaca que, no complexo LRC, foram identificadas variantes de interesse nos genes LILRB1 e LILRB2. "Nos indivĂ­duos infectados, foi cinco vezes mais frequente uma variante do LILRB1 que, pela nossa anĂĄlise, levaria à maior expressão de receptores que inibem a ação das células NK."

As hipóteses referentes ao papel de cada polimorfismo na resistĂȘncia ou suscetibilidade ao SARS-CoV-2 foram elaboradas em parceria com um grupo de pesquisadores do Instituto do Coração (InCor) liderados por Edécio Cunha Neto.

"De modo geral, os indivĂ­duos suscetĂ­veis teriam variantes genéticas que resultariam em uma resposta de células NK mais fraca, enquanto, nos resistentes, a resposta seria mais robusta. HĂĄ diversos testes que podem ser feitos para comprovar essa hipótese. Um deles é incubar o SARS-CoV-2 com células do sangue periférico de indivĂ­duos suscetĂ­veis e resistentes e observar como varia em cada caso a ativação das células NK", sugere Cunha Neto.

Ainda que os achados se confirmem, Cunha Neto lembra que hĂĄ outros mecanismos da resposta imune inata atuando em paralelo para determinar a resistĂȘncia ao vĂ­rus. "Um deles certamente é a capacidade das células de defesa de produzir rapidamente interferons [uma classe de proteĂ­nas fundamental para a resposta antiviral]", afirma.

O artigo Immunogenetics of resistance to SARS-CoV-2 infection in discordant couples pode ser lido na plataforma medRxiv.

A pesquisa teve apoio da Fapesp.


*O texto foi originalmente publicado por AgĂȘncia Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. O original pode ser lido aqui

Fonte: AgĂȘncia Brasil

Comunicar erro

ComentĂĄrios

DETRAN AL