O enfrentamento aos crimes violentos, sobretudo aos homicĂdios, e o estĂmulo à participação da sociedade civil na definição das polĂticas setoriais estão entre os principais desafios do governo de Luiz InĂĄcio Lula da Silva no âmbito da justiça e da segurança pĂșblica.
Para integrantes do grupo temĂĄtico do Gabinete da Transição, o Ministério da Justiça e Segurança PĂșblica precisa retomar seu papel institucional, integrando esforços nacionais para, assim, "implementar as polĂticas que a população espera". O grupo foi criado em outubro, com a missão de traçar diagnóstico do setor e apresentar sugestões para o novo governo.
"A redução do nĂșmero de homicĂdios é nosso maior desafio", disse o advogado Marivaldo Pereira, que integrou o grupo técnico de transição. Pereira foi indicado pelo ministro FlĂĄvio Dino para comandar a nova Secretaria de Acesso à Justiça, que serĂĄ responsĂĄvel pela interlocução com o Poder JudiciĂĄrio e movimentos sociais.
"Para alcançarmos nossos objetivos, serĂĄ fundamental não só aprofundarmos o diĂĄlogo e a integração entre as polĂcias, mas também ouvir as demandas dos movimentos sociais para, articulando-as com o sistema de Justiça e com as instituições do próprio ministério, conseguirmos, por exemplo, reduzir a letalidade policial e promover os direitos da parcela da população historicamente excluĂda", afirmou Pereira à AgĂȘncia Brasil.
De acordo com levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança PĂșblica, o nĂșmero de mortes violentas intencionais, registrado em 2021, foi 6% menor do que o de 2020. Segundo o Ministério da Justiça e Segurança PĂșblica, no primeiro semestre deste ano a redução chegou a 5% em comparação com o mesmo perĂodo do ano passado.
Ao abordar os principais desafios da próxima gestão, Pereira citou problemas apontados como prioridade por governos anteriores: as organizações criminosas e o crescimento incessante da população carcerĂĄria. Atualmente, hĂĄ, no Brasil, cerca de 837 mil pessoas cumprindo penas restritivas de liberdade ou aguardando julgamento.
"O fortalecimento da Secretaria Nacional de Segurança PĂșblica e da PolĂcia Federal vai melhorar a integração das ações ministeriais de enfrentamento às organizações criminosas, incluindo as que migraram do trĂĄfico de drogas para a execução de crimes cibernéticos ou ambientais. Também planejamos criar uma secretaria nacional para tratar de polĂticas penitenciĂĄrias e de alternativas ao encarceramento."
Segundo o novo secretĂĄrio, o objetivo é permitir que presos de baixa periculosidade - que a Justiça entender que não deveriam estar presos - tenham acesso a medidas alternativas que permitam a execução da pena sem a necessidade de encarceramento. De acordo com Pereira, a intenção do futuro governo é reverter medidas legais que, nos Ășltimos quatro anos, facilitaram o acesso de parte da população às armas – intenção jĂĄ anunciada pelo futuro ministro, FlĂĄvio Dino.
"É fundamental focarmos no enfrentamento à violĂȘncia contra a juventude negra, as mulheres e a população LGBTQIA+. Neste sentido, o mais urgente, a nosso ver, é retomarmos uma polĂtica de controle do acesso às armas", disse Pereira. Ele afirmou ainda que muitas das mudanças legais promovidas pelo governo Bolsonaro "desmontaram" o sistema de fiscalização de armas, colocando em risco inclusive o "regular funcionamento das instituições" pĂșblicas.
O relatório que o Gabinete de Transição tornou pĂșblico contempla apenas uma parte das recomendações do grupo temĂĄtico. Segundo Pereira, os participantes trataram de vĂĄrios outros temas, levando em conta a diversidade de assuntos sob responsabilidade da pasta. O grupo destacou a importância de ação articulada com outras instâncias do governo federal, como os ministérios dos Direitos Humanos e da Igualdade Racial, que serão comandados, respectivamente, pelo advogado e filósofo SĂlvio Almeida e pela jornalista e ativista Anielle Franco, irmã da vereadora carioca Marielle Franco, assassinada em 2018.
"HĂĄ muitas polĂticas transversais, como a proteção de defensores de direitos humanos; a polĂtica de proteção a testemunhas e o enfrentamento ao racismo institucional, aos crimes ambientais e à violĂȘncia contra os povos indĂgenas. Vamos fortalecer a atuação da PF para reverter o trĂĄgico cenĂĄrio de madeireiros e garimpeiros invadindo terras indĂgenas e, sempre que necessĂĄrio, a Força Nacional estarĂĄ à disposição dos estados e demais forças federais", exemplificou Pereira.
Pereira lembrou ainda que, com a criação do Ministério dos Povos IndĂgenas, que serĂĄ chefiado pela deputada federal eleita por São Paulo, Sônia Guajajara, o Ministério da Justiça e Segurança PĂșblica deve deixar de responder pela homologação de territórios indĂgenas.
Ele assegurou que, para fazer frente aos desafios, o novo governo seguirĂĄ apostando na efetiva implementação do Sistema Ănico de Segurança PĂșblica (Susp), estreitando a cooperação com os estados. "Não hĂĄ polĂtica de segurança pĂșblica nacional sem diĂĄlogo com os governadores. Esse diĂĄlogo serĂĄ priorizado para que, só então, possamos dialogar com as forças policiais [estaduais]", disse o futuro secretĂĄrio, defensor da implantação de câmaras de vĂdeo nos uniformes policiais – medida que, em Ășltima instância, cabe aos governos estaduais decidir se adotam ou não.
"Elas jĂĄ se mostraram eficazes em vĂĄrias partes e a ampla maioria dos policiais que agem conforme a lei as defendem. Cabe ao ministério estimular e apoiar a implementação de polĂticas pĂșblicas que melhorem a eficiĂȘncia da segurança pĂșblica", concluiu o futuro secretĂĄrio.
O desmembramento do Ministério em duas pastas distintas - uma para cuidar especificamente dos temas ligados à Segurança PĂșblica e outra para Justiça - estĂĄ descartado. Defendida por entidades como o Fórum Brasileiro de Segurança PĂșblica e por vĂĄrios especialistas no assunto, a proposta chegou a ser discutida durante a campanha eleitoral.
"O governo Federal precisa priorizar a construção do Susp e atuar como coordenador da segurança, jamais substituindo a ação das polĂcias e a responsabilidade dos governadores", apontaram, no inĂcio de novembro, os pesquisadores, cientistas sociais, agentes da segurança pĂșblica, operadores da Justiça e especialistas que integram o fórum.
Além de defender a cisão ministerial como forma de "melhorar a capacidade gerencial" nas duas ĂĄreas, o fórum também apontou a necessidade do próximo governo assumir a valorização dos profissionais da ĂĄrea como uma de suas prioridades. "É na esfera federal que carreiras, direitos, protocolos podem ser debatidos e atualizados."
Edição: Maria Claudia
Fonte: AgĂȘncia Brasil