A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, afirmou, nesta terça-feira (4), que a Lei de Cotas é a maior polĂtica reparatória do Brasil e vai "permanecer de qualquer maneira", embora haja necessidade de ampliar o debate em torno da legislação. Para a ministra, o pagamento das bolsas aos estudantes incluĂdos na Lei de Cotas é fundamental.
Anielle defendeu, além disso, o reforço da aplicação da Lei 10.639, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currĂculo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temĂĄtica História e Cultura Afro-Brasileira. Segundo a ministra, é preciso ter docentes preparados para fortalecer a educação antirracista como um todo, incluindo as ĂĄreas quilombolas e a discussão sobre a redução da evasão de estudantes negros.
"Por que tem tanta evasão nas escolas? Por que não tem como se manter. Não tem uma bolsa permanĂȘncia decente para os alunos. Ou vocĂȘ, trabalha ou vocĂȘ estuda", afirmou.
Hoje, durante a aula inaugural do programa de pós-graduação em psicossociologia de comunidades e ecologia social do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Anielle ressaltou que é cria da favela da Maré, no Rio, e que, como cotista, os R$ 300 que recebia ajudaram nas despesas e permitiram a a permanĂȘncia na universidade.
"Eu me lembro perfeitamente de que a Ășnica coisa que me manteve na UERJ [Universidade do Estado do Rio de Janeiro] foram aqueles R$ 300. Eu me lembro da importância que era ter entrado por cotas", lembrou a ministra, em palestra com o tema Dez anos da Lei das Cotas, 20 anos da Lei 10.639: O que mudou e para onde vamos?.
De acordo com Anielle, a bolsa permanĂȘncia para cotistas tem que ser fortalecida, inclusive com aumento do valor. A ministra disse esperar que, no orçamento do ano que vem, os recursos possam ser assegurados. "Para além disso, o debate da transversalidade é importante. É óbvio que a gente tem, dentro do ministério, um orçamento que não é dos maiores. A gente tem que pedir que tenha um pouquinho da Educação, um pouco na Economia, na SaĂșde. É o que a gente tem tentado fazer, e dialogar. A gente tem 80 dias de governo apenas, mas as construções estão acontecendo. Dentro das ações afirmativas, a gente vai propor essa bolsa permanĂȘncia tanto para alunos quanto para docentes", disse Anielle à AgĂȘncia Brasil após a palestra.
Dirigindo-se aos alunos, a ministra destacou que, muitas vezes, ouviu comentĂĄrios racistas e desqualificadores, questionando o fato de ela saber falar inglĂȘs, que aprendeu ao receber uma bolsa para estudar nos Estados Unidos como jogadora de vôlei, e ser da favela da Maré. "Quando retornei ao Brasil e entrei para a Uerj, eu ouvi: VocĂȘ não deve falar inglĂȘs. VocĂȘ vai vir para cĂĄ? Cotista? VocĂȘ passou em primeiro lugar com cota? Como pode isso? Como pode ser da favela da Maré e falar inglĂȘs?"
Com o Salão Pedro Calmon, no prédio da reitoria da UFRJ no Campus Praia Vermelha, lotado, e como professora desde os 17 anos, Anielle Franco recomendou aos alunos intensificar o conhecimento. "Não importa se vocĂȘs debatem com professor racista. O conhecimento de vocĂȘs ninguém tira. Ninguém sabe o que é pegar dois ônibus e um trem [para ir à universidade], mas vocĂȘs sabem. Quando a gente fala de Lei de Cotas e de [Lei] 10.639, sabe porque muitas dessas leis não foram aplicadas como deveriam. Por conta do racismo. A gente precisa ter docentes preparados para lidar com estudantes negros. Eles precisam ter empatia", enfatizou.
"É inadmissĂvel em 2023 ter professor racista. Às vezes, o professor chega à sala de aula e não entende o que é ter um aluno que veio lĂĄ de Magé [região metropolitana do Rio], de Belford Roxo [na Baixada Fluminense]. A gente sabe o que é porque passa por isso", disse Anielle, recordando ainda a dificuldade de alunas mães que precisam levar os filhos para a universidade porque não dispõem de creches.
Na palestra, a ministra destacou a assinatura do decreto presidencial que estipulou o percentual de 30% de ocupação de cargos de comissão e funções de confiança por pessoas negras no Poder Executivo, incluindo administração direta, autarquias e fundações. Segundo Anielle, a medida nunca tinha sido adotada. "A importância disso, gente, desse ato polĂtico é imensurĂĄvel. A gente vai ter pela primeira vez 30% na Esplanada", afirmou.
Anielle pediu que os estudantes não desistam de seus planos ao enfrentar situações de racismo e deu um recado: "Colocar racistas no lugar, porque racista a gente trata assim: coloca no lugar". E completou: "A gente bota no lugar com o nosso conhecimento."
Edição: NĂĄdia Franco
Fonte: AgĂȘncia Brasil