A criação do Programa Nacional de Imunizações (PNI) partiu de estratégias bem-sucedidas que eliminaram a varĂola do Brasil dois anos antes, em 1971. Seu fortalecimento com campanhas de grande porte, na década de 1980, também venceu a poliomielite, em 1989. Mas a robustez e a capilaridade conquistadas pelo programa, que hoje tem quase 40 mil salas de vacina, vieram principalmente com a criação do Sistema Ănico de SaĂșde (SUS), a redemocratização do Brasil e a Constituição de 1988.
O coordenador do PNI, Éder Gatti, conta que foi o direito universal à saĂșde estabelecido pelo SUS que levou a vacinação de rotina a todos os brasileiros, permitindo um controle ainda mais amplo de doenças infecciosas.
"O programa ganhou muita força com as campanhas contra a pólio, mas se consolidou mesmo na rotina ao longo dos anos 1990, quando teve um Ăndice de altas coberturas vacinais. Isso fez com que vĂĄrias doenças deixassem de existir no território nacional. Não temos casos de pólio desde 1989, não temos rubéola congĂȘnita. A meningite, a coqueluche e o sarampo estão controlados. Tudo isso graças ao PNI."
Gatti relembra que a criação do SUS resultou no aumento do acesso da população à saĂșde, com a abertura de novas unidades bĂĄsicas em todo o paĂs. Consequentemente, essas unidades vieram com novas salas de vacinas.
Essa estrutura fortaleceu a vacinação de rotina ao longo da década de 1990, impulsionou o complexo econômico e industrial da saĂșde no paĂs para atender à demanda do PNI e permitiu o acréscimo de novos imunizantes a partir dos anos 2000.
"Tivemos, a partir de 2006, um grande incremento de novas vacinas e hoje temos um calendĂĄrio que garante, na rotina, 18 vacinas para crianças e adolescentes, sem contar os calendĂĄrios da gestante, adulto e idoso, vacinação de covid-19, que fez grande diferença na pandemia de covid-19, e a vacinação anual contra o Influenza."
O historiador Carlos Fidelis Ponte, presidente do Centro Brasileiro de Estudos de SaĂșde (Cebes), conta que o SUS incorpora à saĂșde pĂșblica os trabalhadores informais, os trabalhadores do campo, as donas de casa e as empregadas domésticas. Essa população era descoberta pelos convĂȘnios do Instituto Nacional da PrevidĂȘncia Social (INPS) e do Instituto de AssistĂȘncia Médica da PrevidĂȘncia Social (Inamps) por não ter carteira assinada, e dependia de poucas unidades pĂșblicas ou das filantrópicas.
Tudo isso exigiu uma ampliação da rede de unidades de saĂșde, principalmente para locais distantes dos grandes centros e capitais. Nessa expansão, ele conta que o PNI ajudou na organização do SUS.
"É uma via de mão dupla. O PNI ajudou a organizar a estrutura do SUS. O Programa Nacional de Imunizações, por exemplo, começa a organizar as cadeias de frios, porque, para a vacina de rotina chegar a uma cidade no interior, é preciso garantir o transporte e o armazenamento. E o PNI jĂĄ tinha a vigilância epidemiológica como um de seus objetivos. A ideia de aperfeiçoar a vigilância jĂĄ estava colocada no PNI, assim como o controle de qualidade dos insumos."
A dimensão do Programa Nacional de Imunizações também foi um instrumento usado para fortalecer o complexo econômico e industrial da saĂșde, o que ganhou ainda mais expressão a partir do SUS. Com uma população enorme, o Brasil conseguiu, desde a epidemia de meningite, na década de 1970, negociar contratos de importação de vacinas que também incluĂam a transferĂȘncia da tecnologia para laboratórios pĂșblicos nacionais.
"Isso inaugurou uma estratégia polĂtica que alimentou Bio-Manguinhos durante anos e alimenta até hoje", define Fidelis Ponte, que cita também a transferĂȘncia de tecnologia da vacina AstraZeneca contra covid-19 para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). "Não existe de forma organizada no mundo um mercado como o SUS, que tenha esse poder de compra."
Especialista em imunizações e ex-coordenadora do PNI, Carla Domingues destaca que o programa se fortaleceu porque foi considerado uma polĂtica de Estado, tendo se estruturado desde a ditadura militar e passado por diferentes governos democrĂĄticos. Ela concorda que, apesar disso, ele só se torna o maior programa pĂșblico do mundo a partir da criação do SUS.
"O PNI foi um exemplo de sucesso porque todos os princĂpios do SUS foram efetivamente consolidados. Começando pela universalidade, que define que todas as vacinas cheguem a toda a população brasileira, seja ela dos grandes centros, cidades médias, população ribeirinha ou indĂgena", afirma Carla Domingues, que esteve à frente do programa brasileiro por 13 anos.
Edição: Juliana Andrade
AgĂȘncia Brasil