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VACINAÇÃO

Racismo afasta negros e indígenas da vacinação

Confiança no sistema acaba sendo prejudicada, diz ativista


© Marcelo Camargo/Agência Brasil

Os motivos que levam uma pessoa a se vacinar ou não são afetados por mĂșltiplos fatores, que cientistas resumiram em cinco letras "C": a confiança nas vacinas, a conveniĂȘncia de ir a um posto de vacinação, a complacĂȘncia com os riscos de não estar protegido, a comunicação de informações claras sobre as vacinas e o contexto sociodemogrĂĄfico das populações que devem se vacinar. A ativista dos direitos das mulheres negras e fundadora da organização não governamental Criola, LĂșcia Xavier, é assertiva em apontar que o racismo pode atrapalhar cada um desses pilares.

"População negra é a que vai ser a primeira a ser afetada pela queda das coberturas vacinais", diz LĂșcia Xavier, fundadora da ONG Criola - Tomaz Silva/AgĂȘncia Brasil

"A população negra passa por muitas dificuldades de acesso, aceitação, cuidado e resolutividade no campo da saĂșde, e a vacinação é central para isso", afirma.

"E a população negra é a que vai ser a primeira a ser afetada pela queda das coberturas vacinais. Não só porque jĂĄ vive em mĂĄs condições de saĂșde, de vida, mas também porque vai estar mais vulnerĂĄvel a agravos que podem ser controlados ou impedidos a partir da vacinação."

A comunicação, a conveniĂȘncia do acesso às unidades de saĂșde e a própria confiança nos profissionais e no sistema são duramente prejudicados quando um usuĂĄrio sofre racismo ao buscar um serviço de saĂșde. Uma mulher negra grĂĄvida que teve seu pré-natal negligenciado e sofreu violĂȘncia obstétrica, por exemplo, serĂĄ a mesma que precisarĂĄ confiar na saĂșde pĂșblica para cumprir o calendĂĄrio vacinal de seus filhos.

"Um fator importante é o acolhimento, que na verdade se traduz no acesso à informação de qualidade, na aceitação da pessoa como ela é e nas condições que ela apresenta na hora que ela entra na unidade. São as informações nĂ­tidas, objetivas e a resolutividade naquilo que vai dar seguimento à sua prevenção, ao seu cuidado ou mesmo a sua cura."

A ativista explica que, muitas vezes, o racismo que afasta a população negra das unidades bĂĄsicas de saĂșde, onde as vacinas são aplicadas, não se manifesta de formas tão diretas como agressões fĂ­sicas e xingamentos, mas, mesmo assim, produz violĂȘncias que afastam a população de serviços que poderiam salvĂĄ-la.

"O racismo pode não estar presente em "não entra aqui porque vocĂȘ é negro", mas ele vai estar presente no modo que se recebe a população, na maneira de questionar o seu agravo, na maneira de oferecer ajuda e na maneira de oferecer informação. Então, receberemos menos informação, teremos menos cuidado em relação a nós, e as possibilidades de solução do nosso problema serão postergadas e deixadas para lĂĄ", diz.

"Esses maus-tratos vão minando a relação de confiança entre o serviço e o usuĂĄrio. A pessoa posterga, vai desacreditando que aquele serviço vai dar bom efeito, e nada é bem esclarecido o suficiente para ela compreender", completa LĂșcia Xavier.

Ao mesmo tempo, essa mesma população estĂĄ sujeita, de forma geral, a uma maior taxa de desemprego, a uma maior presença no mercado informal e a jornadas diĂĄrias extensas que incluem longos deslocamentos entre a casa e o trabalho. Com postos abertos em horĂĄrios limitados e profissionais de saĂșde muitas vezes receosos em abrir frascos de vacinas para imunizar uma Ășnica criança perto do fechamento do horĂĄrio das salas de vacinação, oportunidades são perdidas.

Sensibilização

Durante 13 anos, a enfermeira Evelyn PlĂĄcido foi vacinadora no Parque IndĂ­gena do Xingu, na parte mato-grossense da Amazônia. Em contato com os povos indĂ­genas, os relatos de discriminação ao tentar acessar os serviços de saĂșde eram muitos, lembra ela.

"Escutei muitos relatos de indĂ­genas que falavam que procuraram a sala de vacina, mas não foram vacinados porque os profissionais falavam que eles só poderiam tomar vacina na aldeia", conta ela. "Isso é perder a oportunidade, é negar algo a que eles tĂȘm direito. O direito deles é serem vacinados dentro de qualquer unidade de saĂșde, e, inclusive, nos esquemas especĂ­ficos previstos para eles."

A população indĂ­gena tem um esquema vacinal próprio, com reforço contra doenças que apresentam mais risco de agravamento por contextos sociodemogrĂĄficos. Para Evelyn, esse é apenas um exemplo da falta de preparo dos profissionais da ponta para acolher diferenças sociais e culturais, o que afasta ainda mais grupos vulnerabilizados da saĂșde.

"Nós temos que trabalhar a competĂȘncia cultural desses profissionais. Isso é urgente dentro das universidades, porque, trabalhando a competĂȘncia cultural, eu vou preparar esse profissional para atuar para além das suas questões culturais. Cada indivĂ­duo tem as suas, só que, quando eu me disponho a ser um profissional de saĂșde, eu vou atender a um pĂșblico e tenho que estar preparado para atender a todas as pessoas com seus contextos culturais de sociedade", explica. "Se eu não estiver preparada para isso, eu não consigo acessar e não consigo criar vĂ­nculo. E vĂ­nculo é confiança. Quando a gente fala de vacina, eu preciso criar esse vĂ­nculo. Eu preciso criar essa confiança em todos os pĂșblicos."

População indĂ­gena tem um esquema vacinal próprio - Rovena Rosa/Arquivo/AgĂȘncia Brasil

Hoje como educadora, a enfermeira trabalha capacitando profissionais de saĂșde para atuar em regiões de difĂ­cil acesso, como terras indĂ­genas. A falta dessa preparação, conta ela, gerou problemas inclusive na pandemia de covid-19, quando a falta de sensibilidade e bagagem cultural impedia que profissionais contabilizassem corretamente a vacinação de populações como a ribeirinha e a quilombola.

"A gente teve um desafio muito grande para entender, por exemplo, a cobertura vacinal para covid-19 da população ribeirinha e de quilombos, porque o profissional simplesmente não identificava esse grupo e registrava eles na população geral", narra ela, que explica que esse problema acontecia mesmo no caso de quilombos oficialmente reconhecidos. "E aĂ­, existiu um esforço muito grande das próprias comunidades, das lideranças dessas populações, para que eles pudessem fazer o seu próprio censo vacinal."

Assim como nesse contexto, ela exalta que a mobilização dessas populações foi o que permitiu construir um Programa Nacional de Imunizações (PNI) e um Sistema Único de SaĂșde (SUS) de tamanha capilaridade e totalmente gratuito.

"Essa mobilização é importantĂ­ssima e foi a base para a construção do próprio SUS. Esse movimento é importante, e ele precisa ser fortalecido e reconhecido, para que a gente possa buscar esse acesso e construir um caminho para que essa população seja atendida, não só na vacinação."

Edição: Juliana Andrade

AgĂȘncia Brasil

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