PREFEITURA SANTANA

Brasil tem mais de 30 mil câmeras corporais em uso por policiais

Dados são de levantamento feito pelo MinistĂ©rio da Justiça

Por Vitor Abdala - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro em 13/10/2023 às 18:51:11
© Rovena Rosa/Agência Brasil

© Rovena Rosa/Agência Brasil

Mais de 30 mil câmeras corporais estão em uso por policiais e guardas municipais de todo o país, segundo levantamento feito pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). Os equipamentos são usados em fardas dos agentes das forças de segurança para gravar ações e proteger tanto os cidadãos quanto os próprios policiais.

O levantamento é parte de um diagnóstico feito pelo MJSP, em parceria com universidades, para traçar um quadro sobre o cenĂĄrio atual do uso das câmeras (também conhecidas pelo nome em inglĂȘs, bodycams) no país. De acordo com o ministério, até agosto, 26 unidades da federação jĂĄ estavam usando o equipamento ou se preparando para começar sua utilização.

TrĂȘs estados estão com o uso mais difundido, segundo o MJSP: São Paulo, Santa Catarina e Rio de Janeiro. Além desses, em outros quatro estados, o processo de implementação jĂĄ começou: Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Roraima e Rondônia. Minas, por exemplo, estĂĄ em uma fase de projeto-piloto, com o uso experimental de mil câmeras.

Apenas Mato Grosso ainda não planeja adquirir os equipamentos. Prefeituras, como a de Curitiba, jĂĄ estão usando as câmeras em suas guardas municipais. A capital paranaense tem cerca de 500 equipamentos em uso.

O ministério deve divulgar, em novembro, uma diretriz nacional para o uso dessas câmeras. O documento deve trazer informações sobre processos como tempo de gravação, rotinas, quem pode acessar as imagens e como essas gravações podem ser guardadas e compartilhadas.

As diretrizes não serão obrigatórias para estados e municípios, jĂĄ que eles continuarão tendo autonomia para criar suas próprias regras para o uso das câmeras, mas servirão como parâmetro para as forças federais e para financiamentos à compra desses equipamentos com recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP).

Uso de câmeras acopladas aos uniformes de policiais militares do estado de São Paulo para registro das suas ações, implementada em 18 unidades, ajudou a reduzir violĂȘncia policial,trazendo resultados emblemĂĄticos.
Uso de câmeras acopladas aos uniformes de policiais militares do estado de São Paulo - Rovena Rosa/AgĂȘncia Brasil

Além das diretrizes para o uso das câmeras, o MJSP estĂĄ elaborando uma normal de padronização e certificação para esses equipamentos, com critérios técnicos para auxiliar estados e municípios em seus processos de aquisição das câmeras. Também serão oferecidos treinamentos para a operação dessa tecnologia e avaliações do impacto de sua adoção no país.

Juntas, essas ações fazem parte de um projeto nacional de câmeras corporais do governo federal. "A ideia é melhorar a legitimidade e a confiança das pessoas nas polícias. É fazer com que as polícias sejam vistas de uma outra forma. E isso só serĂĄ possível por meio da melhoria da qualidade do trabalho", afirma o coordenador-geral de Governança e Gestão do Sistema Único de Segurança Pública, MĂĄrcio Mattos.

Segurança de dados

Um dos pontos que constarão na diretriz nacional é a segurança da custódia das imagens, a fim de que possa ser garantida sua integridade e posterior uso em processos judiciais.

"Como é que eu compartilho os dados das câmeras corporais com outras instituições como Ministério Público, Poder JudiciĂĄrio, defensorias garantindo a integridade das evidĂȘncias? Porque, se eu perco a integridade dessas evidĂȘncias, seu valor como prova num processo judicial deixa de existir", afirma Mattos.

Pedro Saliba, coordenador da Data Privacy Brasil, organização que tem pesquisado o uso dos dados das câmeras corporais, afirma que é preciso demonstrar tecnicamente que as imagens originais estão preservadas.

"VocĂȘ tem que salvar essas imagens de forma que vocĂȘ consiga demonstrar tecnicamente que essas imagens não foram editadas ou adulteradas de alguma forma. Para isso, a gente precisa de requisitos técnicos específicos", explica.

Saliba destaca o caso recente de um policial que tentou usar as imagens das câmeras corporais para se defender de um processo judicial. As provas, no entanto, não foram aceitas pela Justiça porque havia indícios de que as imagens tinham sido manipuladas.

O coordenador também que é preciso definir critérios como a possibilidade de registrar a localização de onde as imagens foram gravadas e o controle remoto desses vídeos, por meio de sistemas como transmissão ao vivo.

Na Operação Maré, iniciada na última segunda-feira (9) no estado do Rio de Janeiro, por exemplo, vĂĄrios policiais usavam as câmeras corporais. As imagens eram transmitidas ao vivo para o Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), onde eram acompanhadas por outros agentes e autoridades.

"A gente tem que pensar na privacidade dos agentes policiais também. Que parâmetros serão estabelecidos para acionar as imagens remotamente? A gente se questiona também como estĂĄ sendo feita a proteção desses dados do GPS. Porque potencialmente hĂĄ um risco. Algum incidente de segurança pode, por exemplo, expor a estratégia de inteligĂȘncia da Polícia Militar. Ou pode haver alguma perseguição política com relação a um agente policial específico", explica Saliba.

O Instituto Sou da Paz é outra organização que estuda a implantação de câmeras corporais no país. Recentemente, publicou uma nota técnica sobre o uso desses equipamentos.

Para a diretora executiva do instituto, Carolina Ricardo, é preciso haver um controle sobre quem acessa as imagens. Isso é importante para garantir tanto a privacidade dos policiais quanto a integridade desses vídeos como provas.

"Essa imagem não é pública. Ela é uma imagem que, a princípio, estĂĄ no banco de dados da Polícia Militar. Existem órgãos que podem acessar, que são órgãos do sistema de Justiça. [E para esses órgãos] vale a mesma coisa em termos de rastreamento. Quem usou, quem acessou, quando", destaca.

"VocĂȘ precisa ter a dificuldade de baixar a imagem. Essas imagens não são facilmente baixadas, elas são acessíveis no sistema. Ter um sistema de segurança é muito importante na hora de armazenar. E aí vocĂȘ garante que essas imagens vão ser acessadas por, enfim, órgãos jurisdicionais que tĂȘm atribuição legal para isso", completa Carolina.

Direitos dos cidadãos

Outro ponto que precisa ser discutido, na avaliação dos especialistas, é o uso que serĂĄ feito dessas imagens, uma vez que são gravadas e armazenadas. Pedro Saliba destaca, por exemplo, que hĂĄ uma discussão sobre se imagens gravadas em uma situação poderiam ser usadas em processos não relacionados à ocorrĂȘncia que motivou aquela gravação.

Ele explica que nos Estados Unidos houve o caso de imagens capturadas durante o atendimento a uma ocorrĂȘncia de violĂȘncia doméstica que foram usadas posteriormente em um processo de trĂĄfico de drogas contra o irmão da vítima.

Saliba também ressalta que o uso dessas imagens pela imprensa deve ser discutido. "Se a imprensa quiser ter acesso às imagens de câmeras corporais por conta de um fato relevante de interesse público, a gente tem que pensar como essas imagens podem ou não ser disponibilizadas. A gente tem que pensar também que as imagens dessas câmeras corporais não podem servir para a espetacularização da violĂȘncia. A gente vĂȘ muito nas plataformas digitais imagens de violĂȘncia gerando engajamento e principalmente gerando recursos financeiros."

JĂĄ Carolina Ricardo destaca que é preciso tomar cuidado com tecnologias cujos usos na segurança pública geram debates e polĂȘmicas, como o reconhecimento facial e a criação de bancos de imagens de suspeitos (para reconhecimento por vítimas de crimes).

"A gente precisa ter muito cuidado e é preciso que a gente pare a discussão e nem avance. Acho que a gente não tem maturidade nem para avançar mesmo na tecnologia de câmera para monitorar placas de carro. A gente precisa avançar muito na implantação das câmeras como elas são hoje. Elas ainda estão numa grande fase de testes", disse a diretora do Sou da Paz.

Paulo Cruz Terra, professor de história da Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisa a reação de movimentos sociais a tecnologias de inteligĂȘncia aplicada à segurança pública, como o reconhecimento facial. Segundo ele, historicamente, governos e sociedades costumam acreditar que a tecnologia pode resolver todos os problemas.

"Existe uma visão da sociedade, de forma geral, que costuma atribuir sentido quase mĂĄgico à tecnologia. Ela é apresentada por parte do poder público como capaz de solucionar os problemas", explica Terra.

No entanto, hĂĄ sempre uma preocupação com o uso incorreto que pode ser feito com essa tecnologia.

"É importante relacionar à própria história que a polícia tem no nosso país. É interessante perceber como os ativistas relacionam, por exemplo, a tecnologia de reconhecimento facial com o racismo presente na história."

Mesmo com a necessidade de discutir regras e procedimentos para garantir a segurança de dados e seu uso correto, tanto Saliba quanto Carolina acreditam que as câmeras são importantes para proteger os cidadãos de abusos da polícia quanto para defender o próprio policial de falsas denúncias.

"Nesse momento, o grande prejuízo à população é não ter a câmera. Agora vocĂȘ tem como comprovar fatos que antes vocĂȘ só tinha a palavra da polícia da própria polícia. VocĂȘ tem uma testemunha eletrônica desses fatos", afirma Saliba.

Edição: Juliana Andrade


Fonte: AgĂȘncia Brasil

Comunicar erro

ComentĂĄrios

DETRAN AL