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Nenhum policial Ă© responsabilizado por abordagem letal hĂĄ 7 anos em SP

Pretos e pardos foram maioria entre as 946 pessoas mortas no perĂ­odo

Por Elaine Patricia Cruz - Repórter da Agência Brasil em 07/05/2025 às 07:38:59
© Governo do Estado de S

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Nenhum policial que atua no estado de São Paulo foi responsabilizado por alguma abordagem letal e violenta praticada entre os anos de 2018 e 2024, revela o projeto Mapas da (In) Justiça, elaborado pelo Centro de Pesquisa Aplicada em Direito e Justiça Racial da FGV Direito São Paulo, que analisou 859 inquéritos policiais nesse perĂ­odo.

De acordo com o projeto, nenhum agente do Estado foi preso em decorrĂȘncia de morte que tenha ocorrido durante uma ação policial. Em todos os inquéritos, o Ministério PĂșblico – órgão que exerce controle externo da atividade policial – optou pelo arquivamento do processo.

"A anĂĄlise das decisões judiciais em 859 inquéritos policiais revelou a predominância de uma lógica que legitima preventivamente a ação policial e inviabiliza a responsabilização penal dos agentes. Em 100% dos casos, nenhum policial foi preso em decorrĂȘncia da morte provocada durante a ação", afirma o documento.

Após analisar tais inquéritos, o projeto informou que 946 pessoas morreram nesse perĂ­odo em decorrĂȘncia de intervenção policial. A maior parte das vĂ­timas (62% do total) eram pretas e pardas. A pesquisa revelou ainda que maioria a das mortes (78%) ocorreu em vias pĂșblicas e foi provocada por policiais em serviço (88%).

Os dados podem ser ainda mais elevados, pois os pesquisadores tiveram acesso a apenas uma parcela de casos, uma vez que um nĂșmero considerĂĄvel de inquéritos policiais é mantido em segredo de justiça.

Em entrevista à AgĂȘncia Brasil, a professora Julia Drummond, coordenadora da pesquisa, informou que, além do Ministério PĂșblico não ter oferecido denĂșncia em 100% dos casos, os pedidos de arquivamento também não foram contestados nenhuma vez pelo Poder JudiciĂĄrio.

"Os dados reunidos revelam um cenĂĄrio de persistente impunidade, no qual a atuação policial letal é sistematicamente legitimada por narrativas oficiais, sustentadas em registros documentais marcados por seletividade racial, apagamentos e omissões técnicas. A anĂĄlise dos boletins de ocorrĂȘncia mostra que categorias genéricas como "prĂĄtica de crime" ou "atitude suspeita" são amplamente mobilizadas para justificar abordagens violentas, com forte incidĂȘncia sobre corpos negros, que representam 62% das vĂ­timas fatais registradas. Essa seletividade racial atravessa toda a cadeia de produção de verdade institucional, desde o registro inicial até a decisão judicial final", disse a professora.

PerĂ­cia

Em apenas 8,9% dos casos de morte decorrentes de intervenção policial no estado de São Paulo, houve perĂ­cia no local do crime. E em 85% dessas ocorrĂȘncias, não foi feito o exame de resĂ­duo de pólvora nas mãos das vĂ­timas para confirmar ou contestar a hipótese de confronto. A investigação técnico-cientĂ­fica, em tais casos, tem sido feita com base em apenas um laudo, geralmente o necroscópico, o que evidenciaria "um padrão de investigação incompleta".

Os dados da pesquisa revelam ainda que, em vez de promover uma apuração técnica, rigorosa e imparcial, a perĂ­cia atua frequentemente para respaldar as versões dos policiais. Em 95% dos relatórios apresentados pelos policiais para explicar os casos de letalidade, é invocada a legĂ­tima defesa, ou seja, que foi preciso usar a força por causa de um comportamento agressivo da vĂ­tima.

"Esses dados demonstram que os boletins de ocorrĂȘncia, longe de serem relatos neutros dos fatos, funcionam como instrumentos de consolidação de versões que tendem a legitimar a ação letal dos agentes estatais", afirma o projeto.

Os inquéritos analisados também sugerem a prĂĄtica de execução sumĂĄria pelos agentes: em 16% dos casos, as vĂ­timas foram baleadas na cabeça e, em 30%, os disparos foram feitos de cima para baixo, sugerindo posições de submissão ou rendição. Em 6,4% das ocorrĂȘncias, foram identificados indĂ­cios de "tiros de confirmação", disparos adicionais feitos contra vĂ­timas jĂĄ incapacitadas.

Para a professora Julia Drummond, é preciso colocar em funcionamento uma série de ações para que haver mais controle e transparĂȘncia sobre as atividades policiais. Ela citou a criação de um banco de dados integrado entre Secretaria de Segurança PĂșblica, Ministério PĂșblico e Tribunal de Justiça e a implementação de um sistema unificado de registro e acesso a essas informações, disponĂ­vel para órgãos pĂșblicos e a sociedade civil. Também é importante ampliar o papel da ouvidoria, fortalecendo seu poder de fiscalização sobre casos de abuso policial, e instituir um sistema nacional de monitoramento da letalidade policial, com participação de universidades e organizações da sociedade civil.

Procurada pela AgĂȘncia Brasil, a Secretaria de Segurança PĂșblica de São Paulo disse, em nota, que "as forças de segurança do Estado são instituições legalistas e não compactuam com excessos ou desvios de conduta de seus agentes".

"As corporações promovem treinamentos constantes e contam com comissões especializadas para aprimorar os procedimentos. Por determinação da SSP, todos os casos de morte decorrente por intervenção policial (MDIP) são investigados com rigor pelas corregedorias, com acompanhamento do Ministério PĂșblico e do JudiciĂĄrio. Desde 2023, mais de 550 policiais foram presos e 364 demitidos ou expulsos das corporações", informa a nota.

Questionado sobre o arquivamento dos inquéritos policiais, o Ministério PĂșblico de São Paulo (MPSP) declarou tal resposta "exigiria uma anĂĄlise individualizada do mérito de cada um dos casos, valendo o mesmo raciocĂ­nio para os incontĂĄveis episódios nos quais houve denĂșncia, todos eles fora do escopo da pesquisa".

"Vale ainda ressaltar que o MPSP, que tem a atribuição constitucional de defender o ordenamento jurĂ­dico e o regime democrĂĄtico, pauta-se sempre pelo princĂ­pio da transparĂȘncia. Por fim, necessĂĄrio salientar que a instituição, por meio do Grupo de Atuação Especial de Segurança PĂșblica e Controle Externo da Atividade Policial (GAESP) e dos promotores que tĂȘm atribuição neste campo, envida todos os esforços para esclarecer os casos", conclui o texto.

escreveu o órgão.

Mapas da (In) Justiça

Iniciado em 2022, o projeto Mapas da (In) Justiça tem o objetivo de disponibilizar dados sobre a letalidade policial contra a população, especialmente a negra, no estado de São Paulo. Nesta segunda-feira (5), a FGV Direito SP lançou uma plataforma interativa do projeto que possibilitarĂĄ a consulta de investigações e crimes contra pessoas negras no estado de São Paulo. A plataforma encontra-se hospedada no domĂ­nio https://mapasdainjustica.fgv.br e estarĂĄ no ar em cerca de trĂȘs semanas, informou a coordenadora do projeto.

"O site disponibiliza visualizações de mapas em 3D da letalidade policial no estado de São Paulo, com base em dados sobre mortes decorrentes de intervenção policial, perfil sociodemogrĂĄfico da população, infraestrutura construĂ­da e reconhecimento de ĂĄreas verdes. Disponibilizamos também a visualização das etapas de investigação e processo dos casos de mortes decorrentes de intervenção policial no estado de São Paulo, conforme a localização da morte e a cor/raça das vĂ­timas. É possĂ­vel acessar ainda um mecanismo interativo de visualização dos dados da pesquisa e fazer o download da base de dados, um produto importante para subsidiar o trabalho de outros pesquisadores, além de jornalistas, formuladores de polĂ­ticas pĂșblicas e a sociedade civil organizada", explicou a coordenadora.

Para essa pesquisa especĂ­fica sobre a letalidade policial, chamada de TransparĂȘncia Institucional e Responsabilização sobre a Letalidade Policial, foi feita a extração de dados sobre raça e geolocalização dos homicĂ­dios cometidos por policiais a partir dos acervos documentais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), do Ministério PĂșblico do Estado de São Paulo (MPSP) e da Secretaria de Segurança PĂșblica do Estado de São Paulo (SSP-SP), que incluem informações administrativas e judiciais relacionadas à responsabilização de policiais.

Fonte: AgĂȘncia Brasil

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