O programa Mulheres Inspiradoras, reconhecido como a melhor iniciativa educacional em direitos humanos, serve de base para a implementação de uma polĂtica pĂșblica educacional pioneira em BrasĂlia.
O reconhecimento ocorreu em 2015, na primeira edição do PrĂȘmio Ibero-americano de Educação em Direitos Humanos Óscar Arnulfo Romero, promovido pela Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, CiĂȘncia e Cultura (OEI) e a Fundação SM.
Agora, as lições e os princĂpios apresentados no projeto, liderado pela professora Gina Vieira Ponte de Albuquerque, do Centro de Ensino Fundamental 12, da região administrativa de Ceilândia, a 30 quilômetros de BrasĂlia, servem de base para a implementação de uma polĂtica pĂșblica na capital.
"A agenda da educação em direitos humanos é indispensĂĄvel para o fortalecimento da democracia. Esse prĂȘmio é o reconhecimento de que o nosso trabalho estĂĄ caminhando na direção certa, foi a confirmação de que estamos alinhados com bases teóricas e concepções de mundo que entendem o estudante na sua integralidade, como sujeito sócio-histórico, e que a nossa luta por uma paĂs democrĂĄtico e por uma sociedade mais justa, igualitĂĄria e livre de violĂȘncia é coletiva", disse Gina Albuquerque, professora da educação bĂĄsica da Secretaria de Educação do Distrito Federal hĂĄ 30 anos. Ela é mestra em LinguĂstica pela Universidade de BrasĂlia (UnB), com ĂȘnfase em AnĂĄlise de Discurso CrĂtico, especialista em educação a distância, desenvolvimento humano e inclusão escolar.
Em 28 de maio, o governo do Distrito Federal (GDF) publicou a Portaria NÂș 256, de 2021, implementando o programa Mulheres Inspiradoras na rede de escolas e bibliotecas da cidade, cujo objetivo é promover a valorização do legado de mulheres e meninas nos planos escolares da rede pĂșblica de ensino da capital.
O programa implementa projetos de leitura e escrita baseados em autores ou personagens históricas femininas do paĂs e do mundo, abordando as diferentes narrativas de mulheres negras, indĂgenas e periféricas, entre outras. Dessa forma, o programa visa a estimular o desenvolvimento de uma pedagogia comprometida com o aprendizado integral dos estudantes, centrada na educação para os direitos humanos e para a diversidade.
A professora explica que o programa foi desenvolvido pela primeira vez em 2014, no Centro de Ensino Fundamental 12 de Ceilândia, com cinco turmas do 9Âș ano. "Teve inĂcio depois de percebermos que, infelizmente, na cultura brasileira, a representação mais recorrente das mulheres ainda reporta à ideia de mulheres objetificadas, hipersexualizadas, enquadradas em um determinado padrão estético. Constatamos que faltavam outras referĂȘncias que pudessem inspirar as meninas".
Segundo Gina, os estudantes tiveram a oportunidade de ler obras literĂĄrias produzidas por mulheres, estudar a biografia de personagens ou autoras inspiradoras, para que pudessem vislumbrar outras oportunidades de identidade, que transcendam os estereótipos de gĂȘnero, e os meninos pudessem questionar a masculinidade tóxica.
A iniciativa também permitiu aos estudantes entrevistar uma mulher inspiradora de sua vida. A maioria escolheu a mãe, a avó e a bisavó. A partir das entrevistas que realizaram, eles produziram textos em que apresentam as histórias de luta, de determinação, a revolução silenciosa que essas mulheres realizam em suas comunidades. As histórias foram transformadas no livro Mulheres Inspiradoras, que foi publicado em 2016.
O projeto permitiu ainda que sujeitos que foram excluĂdos da história oficial e, portanto, dos materiais didĂĄticos, chegassem à escola. Os estudantes puderam ler obras literĂĄrias escritas por mulheres negras, indĂgenas, periféricas e conhecer a força e a potĂȘncia das lideranças femininas do seu território.
Ao comentar o que foi determinante para tornar o projeto uma polĂtica pĂșblica, a professora destacou "a atuação integrada de diferentes atores: os promotores do 1Âș PrĂȘmio Ibero-americano, o Banco de Desenvolvimento da América Latina, o governo do Distrito Federal, a Secretaria de Educação do DF, o grupo de pesquisa Educação CrĂtica, Autoria Criativa (Gecria), o Programa de Pós-Graduação em LinguĂstica da Universidade de BrasĂlia, as comunidades onde o projeto foi desenvolvido, os estudantes e as professoras e gestores que se engajaram no projeto piloto".
Para que o Mulheres Inspiradoras se tornasse polĂtica pĂșblica houve uma caminhada que começou hĂĄ sete anos. Depois de conquistado o 1Âș PrĂȘmio Ibero-americano de Educação em Direitos Humanos, o projeto ganhou visibilidade. Trata-se de um prĂȘmio concedido pela Organização de Estados Ibero-americanos e pela Fundação SM, instituições vinculadas à promoção da ciĂȘncia, da educação, que atuam na defesa dos direitos humanos, na Ibero-América hĂĄ muitos anos.
O prĂȘmio fez com que outras entidades, como o Banco de Desenvolvimento da América Latina conhecessem o projeto. No final de 2016, o programa chegou a mais escolas. Em 2017, foi assinado um acordo de cooperação internacional entre o GDF, o banco e a OEI e iniciada uma experiĂȘncia piloto com 15 escolas. A experiĂȘncia foi acompanhada pela UnB, que avaliou o trabalho.
A boa prĂĄtica educacional transformada em polĂtica pĂșblica colabora com a missão de "fazer a cooperação realmente acontecer". De acordo com a professora Gina Ponte, "o projeto Mulheres Inspiradoras, além de constituir um trabalho pedagógico que trouxe resultados positivos no Centro de Ensino Fundamental 12 de Ceilândia, alcançando cerca de 900 estudantes, hoje é um programa que trabalha em duas frentes: promove a formação de profissionais da educação e dĂĄ subsĂdios a esses profissionais e suas escolas com obras literĂĄrias de autoria feminina".
Para Gina, a "proposta não é que eles multipliquem ou simplesmente reproduzam o projeto Mulheres Inspiradoras, mas que, a partir da pesquisa sobre a especificidade do seu território, da sua comunidade, dos seus estudantes, criem projetos capazes de interferir nos problemas locais e fortalecer a aprendizagem e o desenvolvimento integral dos estudantes".
Fonte: AgĂȘncia Brasil