Estudo realizado em parceria entre Brasil e Portugal analisou mais de 20 mil sequĂȘncias genéticas de HIV de pacientes brasileiros e constatou o aumento de uma mutação especĂfica chamada K65R. Os pesquisadores alertam que isso é preocupante porque a mutação estĂĄ associada à resistĂȘncia a um dos medicamentos usados no tratamento antirretroviral no paĂs, o Tenofovir (TDF).
"É o medicamento de primeira linha para começar o tratamento padrão do HIV em pessoas virgens para o tratamento no Brasil", aponta Bernardino Geraldo Alves Souto, professor do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que participou da pesquisa. Foram coletadas amostras em pacientes em tratamento antirretroviral, no perĂodo entre 2008 e 2017, no Brasil.
A pesquisa, coordenada por Nuno Miguel Sampaio Osório, da Universidade do Minho, em Portugal, mostra que a prevalĂȘncia da K65R era de 2,23%, em 2008, e chegou a 12,11% em 2017. "Esse tratamento que o Brasil estĂĄ adotando como padrão para começar a tratar as pessoas jĂĄ tem 12% de resistĂȘncia, então vamos precisar rever isso", indica Souto. O estudo também mostrou maior carga viral nas pessoas em que a mutação foi encontrada, o que reforça a observação da elevação da prevalĂȘncia de resistĂȘncia ao TDF.
No perĂodo estudado, houve mudança nos protocolos antirretrovirais no Brasil, substituindo o Zidovudina pelo Tenofovir, o que pode ter contribuĂdo para a prevalĂȘncia da mutação. Os pesquisadores apontam que esses aspectos podem explicar a maior proporção de casos de falĂȘncia terapĂȘutica, especialmente em um cenĂĄrio de aumento dos nĂșmeros de novas infecções e mortes relacionadas ao vĂrus HIV, enquanto hĂĄ queda no mundo. Foram 48 mil novas infecções, em 2019, e 14 mil mortes registradas no paĂs.
Para impedir que isso ocorra, os pesquisadores defendem a genotipagem universal, em que todos os casos diagnosticados são avaliados geneticamente para definir o melhor tratamento. Atualmente, em geral, a genotipagem só é feita após verificação de falha terapĂȘutica por seis meses. Em apenas alguns casos é feita previamente: "se for mulher grĂĄvida, se for uma pessoa que é parceira sexual de alguém que jĂĄ faz tratamento hĂĄ muito tempo, se for pessoa com tuberculose", elenca o pesquisador.
O trabalho analisou ainda respostas imunológicas ao HIV. As anĂĄlises sugerem que a presença da mutação K65R pode contribuir para o controle imunológico do vĂrus em indivĂduos portadores do perfil genético HLA-B27. Isso poderia diminuir a transmissão do vĂrus em populações com alta prevalĂȘncia deste HLA. No Brasil, no entanto, a prevalĂȘncia desse perfil é baixa.
Também hĂĄ indĂcios de que este HLA pode colaborar para evitar a mutação K65R que confere resistĂȘncia ao Tenofovir. Isso pode ter contribuĂdo para a expansão dessa mutação no Brasil. "É mais uma razão para que a gente jĂĄ comece o tratamento com coquetéis de alta eficĂĄcia, e eu vou identificar esses coquetéis através da genotipagem do HIV que a pessoa tem", explica o pesquisador.
Souto explica que a mutação K65R preocupa especialmente por ser resistente ao TDF, mas existem vĂĄrias outras mudanças genéticas do vĂrus HIV. "É o mecanismo adaptativo do vĂrus, então geralmente o que acontece: a gente dĂĄ o medicamento e alguns filhotes do vĂrus, no processo de reprodução viral, eles produzem algumas mutações genéticas que conferem ao vĂrus capacidade de resistir ao efeito do medicamento", explica.
Ao fazer genotipagem, é possĂvel definir um coquetel que impeça a reprodução do vĂrus e evite a mutação. "Eu jĂĄ escolho um coquetel que consegue driblar essas mutações e atacar o vĂrus. Se eu não tenho essa informação, eu dou um coquetel e se o vĂrus jĂĄ é resistente, ele não vai ser eficaz, a pessoa não vai se beneficiar do tratamento e ainda vai transmitir o vĂrus resistente", aponta o pesquisador brasileiro.
Souto avalia que hĂĄ infraestrutura para realização da genotipagem do HIV, mas que o maior problema seria a logĂstica. "Do ponto de vista de laboratório e de outras coisas, nós temos isso em quantidade suficiente, o que precisamos é traçar uma estratégia logĂstica que garanta que todas as pessoas que precisarem desse exame tenham acesso ao resultado do exame em curto prazo", aponta.
Fonte: AgĂȘncia Brasil