"Precisamos de comida, não de tabaco", reforça o tema, em portuguĂȘs, da campanha da Organização Mundial da SaĂșde (OMS) para o Dia Mundial sem Tabaco, comemorado nesta quarta-feira (31). A campanha chama a atenção para a sobrevivĂȘncia humana e para os impactos negativos do tabaco para o meio ambiente. Em entrevista à AgĂȘncia Brasil, o diretor executivo da Fundação do Câncer, cirurgião oncológico Luiz Augusto Maltoni, reconheceu que esse é um desafio imenso ainda.
"Porque a gente sabe que o Brasil é um grande produtor de tabaco, principalmente na Região Sul. E é difĂcil sensibilizar aquela população do cultivo de que é importante mudar a cultura para outros tipos de plantio. Sobretudo porque naquela região existem incentivos por parte dos governos locais. Fica difĂcil mudar uma cultura que vem, muitas vezes, de gerações de famĂlias que cultivam tabaco. É um trabalho que ocorre não só no Brasil, mas no mundo todo e a OMS pegou isso como uma bandeira importante no contexto todo do controle do tabaco", disse o médico.
Além de causar dependĂȘncia, o fumo provoca quatro vezes mais doenças coronarianas, acidente vascular cerebral (AVC); 12 vezes mais doenças de pulmão; no caso das mulheres, de 12 a 13 vezes mais câncer de pulmão; no caso do homem, mais 23 vezes câncer de pulmão. "A gente estĂĄ cansado de saber o mal que o hĂĄbito de fumar traz para o organismo humano. Fora isso, a ideia este ano é chamar a atenção para o mal que faz para a natureza e a sociedade como um todo, a poluição que causa". Na parte do cultivo, Maltoni destacou que o foco são os alimentos. "Vamos plantar coisas saudĂĄveis, em vez de tabaco", propôs.
A tarefa, entretanto, não é coisa simples. É um trabalho ĂĄrduo, porque significa mudar uma cultura e hĂĄbitos de tantos anos, mas é preciso chamar a atenção para a necessidade de reversão desse quadro, assegurou o diretor executivo da Fundação do Câncer. "O que se arrecada em impostos com a indĂșstria do tabaco é muito aquém dos gastos com a saĂșde, com tratamento e com as doenças decorrentes da utilização do tabaco. É preciso sensibilizar as pessoas para fazer mudança; mobilizar a sociedade, os governantes e os tomadores de decisão para que ajudem em mudanças de legislação, na questão dos subsĂdios legais, para que a gente possa ver isso acontecer de fato".
Este ano, a Fundação do Câncer realiza algumas atividades no Dia Mundial sem Tabaco. Presencialmente, em vĂĄrios pontos da cidade, como na Ecoponte, na Ponte Rio-Niterói, e em Magé, na EcoRodovia, serão feitas abordagens a motoristas. Placas de led transmitirão informações sobre a questão do cigarro, o controle do tabaco, a necessidade de se parar de fumar. A entidade estĂĄ distribuindo também um cartão que remete direto a um manual para as pessoas pararem de fumar.
Palestras estão sendo feitas em empresas que demandam a fundação para falar tanto dos malefĂcios do cigarro convencional como do cigarro eletrônico para a natureza. "Porque essa chamada da OMS tem a questão do meio ambiente". Maltoni explicou que o plantio do tabaco é muito ruim para o meio ambiente porque, além de exaurir a terra, polui a ĂĄgua da região onde tem plantio e contamina o meio ambiente. "É tudo de ruim; é o que a gente não quer. Se a gente for extrapolar o que o próprio cigarro convencional produz de lixo na sociedade, nos paĂses, é um absurdo globalmente. São toneladas de lixo tóxico, com substâncias tóxicas, jogadas nos mais diversos lugares: praia, oceano, rio. É um volume gigantesco não só de material não reciclĂĄvel, mas porque tem um volume grande de substâncias tóxicas", alertou.
Relatório da OMS divulgado em 2022 e intitulado Tobacco: poisoning our planet? (Tabaco: envenenando nosso planeta?, em tradução livre), aponta a produção de tabaco como uma das principais causas de desmatamento, uso excessivo de ĂĄgua e poluição do ar e do solo em diversas regiões do mundo. Em entrevista à AgĂȘncia Brasil, o oncologista Carlos Gil Ferreira, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia ClĂnica e do Instituto OncoclĂnicas, reforçou que o tabagismo provoca grande impacto ambiental. O cultivo do tabaco gera degradação do solo; a produção quĂmica do cigarro gera poluição do solo e da ĂĄgua.
"E a gente tem subprodutos do cigarro. Os filtros do cigarro, por exemplo, são altamente poluentes porque, na verdade, são compostos por diversas substâncias quĂmicas. O impacto ambiental do tabaco, em termos de danificar o ambiente, poluir, contaminar solo e ĂĄgua, é muito grande". Lembrou também que as guimbas dos cigarros e os próprios pacotes do produto sujam as ruas, provocando poluição ambiental como um todo. "Provavelmente, o impacto para o meio ambiente e a humanidade é muito maior do que, até então, a gente levava em consideração".
Além da dependĂȘncia que a nicotina e o tabaco criam, os males para a saĂșde são imensos, assegurou Ferreira. Além de doenças cardiovasculares, citou doenças pulmonares inflamatórias, como enfisema e bronquite e, sobretudo, vĂĄrios tipos de câncer, desde câncer de pulmão, até câncer de garganta, boca, pâncreas, entre outros, cuja causa estĂĄ diretamente relacionada com a exposição ao tabaco. "É um grande impacto para a população em geral, para a economia global, pelas doenças que são causadas. E, quando vocĂȘ analisa de forma mais ampla e pensa na contaminação que acontece em termos de meio ambiente, de produtos quĂmicos que, muitas vezes, não podem ser eliminados, fica difĂcil quantificar o custo de tudo isso para a humanidade.
Segundo Carlos Gil Ferreira, uma das maneiras de combater o tabagismo é através da divulgação e da conscientização. Iniciativas como a campanha da OMS, que muitos governos assumiram, tem impactos na conscientização e, especialmente hoje, na conscientização dos jovens. "Porque a nossa grande preocupação hoje, como médicos, é com o tabagismo na população jovem que, apesar das campanhas antitabagismo, vem crescendo muito, principalmente pelo uso do cigarro eletrônico".
Esse tipo de cigarro abre as portas do tabagismo mais cedo, com malefĂcios ainda mais difĂceis de serem medido a longo prazo. Os jovens tĂȘm começado a fumar cada vez mais cedo e, muitas vezes, começam através do cigarro eletrônico, até pelo mito de que esse tipo de cigarro traria menos malefĂcios do que o cigarro convencional. É provĂĄvel também, segundo os especialistas, que devido à socialização e pelos dispositivos eletrônicos, esse tipo de cigarro cai muito mais no gosto da população adolescente e adulto jovem. "E do cigarro eletrônico para o cigarro convencional é um caminho mais rĂĄpido do que a gente pensa", explicou o oncologista.
A diretora-geral do Instituto Nacional de Cardiologia (INC), Aurora Issa, chamou a atenção para o fato de o tabagismo ter uma associação grande com as doenças cardiovasculares em mulheres. A cardiologista lamentou que apesar de haver uma conscientização grande atualmente para outras patologias, como câncer de mama, "não se vĂȘ tantas campanhas sobre doenças cardiovasculares como principal causa de morte em mulheres. As mulheres também devem se preocupar com as doenças cardiovasculares", ressaltou, em entrevista à AgĂȘncia Brasil.
De acordo com dados da OMS de 2020, as doenças cardiovasculares são responsĂĄveis por um terço de todas as mortes de mulheres no mundo, o equivalente a cerca de 8,5 milhões de óbitos por ano. As mulheres tĂȘm 50% mais probabilidades de sofrerem infarto do que homens, diz a OMS. As mulheres que fumam, percentualmente, acabam tendo mais doenças cardĂacas do que os representantes do sexo masculino. Aurora Issa indicou que no próprio sistema de saĂșde como um todo, a doença cardiovascular não é vista como tendo acometimento grande nas mulheres.
"A gente vĂȘ uma associação grande do tabagismo trazendo uma doença cardiovascular como um evento maior associado, como infarto, angina". Muitas mulheres precisam ser encaminhadas para procedimentos cardiológicos de alta complexidade, como angioplastia, cirurgia cardĂaca. O importante é conscientizar as mulheres em relação aos fatores de risco, na medida em que as doenças cardiovasculares constituem a principal causa de mortalidade. "Nesse contexto, o tabagismo é muito importante". A diretora-geral do INC destacou que enquanto nos homens o tabagismo estĂĄ mais associado ao prazer de fumar, nas mulheres hĂĄ outras associações mais fortes, como controle de estresse ou de humor e controle de peso, apontam estudos.
O objetivo de Aurora Issa é conscientizar as mulheres de que existem outras formas de ajudar a parar de fumar, mostrando que a consequĂȘncia são doenças cardiovasculares que podem levar à morte. Lembrou que existem tratamentos comportamentais, como psicoterapia, mudança de hĂĄbitos de vida e, inclusive, intervenções medicamentosas que podem motivar e ajudar as mulheres a pararem de fumar.
O pneumologista da Fundação São Francisco Xavier, Marcos de Abreu, explica que um dos principais males associados ao tabagismo é a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), caracterizada pela presença de enfisema pulmonar e bronquite crônica. Entre os sintomas, estão falta de ar, tosse e chiado no peito. Além da DPOC, mais de 50 doenças estão associadas ao tabagismo. A nicotina aumenta a pressão arterial e a frequĂȘncia cardĂaca, danifica os vasos sanguĂneos e promove a formação de coĂĄgulos. Esses efeitos combinados podem resultar em obstruções das artérias e eventos cardiovasculares graves.
Marcos Abreu assegura, porém, que sempre é tempo para largar o vĂcio e que os resultados positivos no corpo podem ser vistos com rapidez, mesmo em pacientes que fumam hĂĄ longo tempo. Ao parar de fumar, a função pulmonar do paciente melhora, diminui a progressão de danos aos pulmões e o risco de desenvolver doenças respiratórias e câncer cai de forma gradativa. Para o médico, o Dia Mundial sem Tabaco visa alertar a população sobre os males à saĂșde do tabagista e promover a conscientização sobre os benefĂcios trazidos em largar o hĂĄbito de fumar.
Doença causada pela dependĂȘncia quĂmica da nicotina, substância viciante presente no tabaco, o tabagismo mata mais de 8 milhões de pessoas anualmente no mundo, de acordo com estimativa da Organização Mundial da SaĂșde (OMS). Desse total, 7 milhões são fumantes ativos e cerca de 1,2 milhão são pessoas expostas à fumaça do cigarro, os chamados fumantes passivos.
Procurado pela AgĂȘncia Brasil, o presidente da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), BenĂcio Albano Werner, assegurou que as afirmações da OMS sobre o impacto do plantio do tabaco na natureza são "levianas, de quem desconhece a realidade do produtor de tabaco no Brasil". Esclareceu que desde 1980, quando foi celebrado convĂȘnio com o então Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal (IBDF), a cadeia produtiva do tabaco se comprometeu a não utilizar floresta nativa para a cura do tabaco. "O compromisso estĂĄ sendo cumprido. O produtor, desde então, ciente e consciente da necessidade de preservação da mata nativa, utiliza tão-somente floresta energética na secagem de seu produto".
Do mesmo modo, qualificou de inverĂdica a afirmação de que o tabaco estĂĄ envenenando o planeta. "Na cultura, são utilizados defensivos com somente 1,01 kg de ingrediente ativo por hectare, enquanto outras culturas, inclusive alimentĂcias, chegam a usar até 46,87 kg de ingrediente ativo por hectare". Werner entende que o tema é polĂȘmico. Afirmou, porém, que o produtor de tabaco precisa dessa atividade para garantir a sustentabilidade de sua propriedade, o conforto de sua famĂlia, o estudo dos filhos e a sua sucessão familiar.
Entre os benefĂcios do plantio de tabaco, o presidente da Afubra citou que na safra 2021/2022, a propriedade fumicultora alcançou receita bruta de R$ 18,5 bilhões. A participação do tabaco foi de R$ 9,5 bilhões; a produção animal, de R$ 5,5 bilhões; e a vegetal, de R$ 3,4 bilhões. "Assim, podemos afirmar que o produtor de tabaco é o que mais diversifica sua produção e apresenta a melhor distribuição de renda nas pequenas propriedades".
Em 2022, o setor gerou tributos no montante de R$ 14,8 bilhões para os governos municipais, estaduais e federal. "Não fosse o mercado ilegal de cigarros, esse valor seria bem superior, próximo ao dobro, somente no Brasil", estimou. Completou que o produtor de tabaco, além de gerar empregos na produção, também aumentar mão de obra nas indĂșstrias de insumos agrĂcolas, nas empresas que produzem mĂĄquinas e equipamentos, no transporte, no comércio dos municĂpios onde é produzido. Mencionou, ainda, os empregos gerados nas próprias indĂșstrias de processamento e de fabricação e distribuição de cigarros. "A cadeia produtiva do tabaco gera tributos aos governos, renda e empregos para muitas outras atividades".
Para garantir o desenvolvimento sustentĂĄvel e proteção ao meio ambiente, BenĂcio Werner destacou que a cadeia produtiva do tabaco jĂĄ faz inĂșmeras ações nesse sentido. "É pioneira em vĂĄrias atividades". Entre elas, apontou o recolhimento das embalagens vazias de defensivos agrĂcolas, não somente dos aplicados na cultura do tabaco, mas também dos utilizados em outras culturas; realização de campanhas de preservação de florestas e de fontes de ĂĄgua, entre as quais o Conheça o Verde é Vida.
Citou também a promoção de programas voltados à sustentabilidade e à sucessão nas propriedades, ao combate do trabalho infantil e ao incentivo à frequĂȘncia de crianças e jovens nas escolas. Um exemplo dessas ações é o Instituto Crescer Legal, citou. Em benefĂcio da saĂșde, o presidente mencionou que a Afubra orienta sobre cuidados para garantir a saĂșde e segurança dos produtores e trabalhadores. As ações são realizadas através do Sistema Integrado de Produção.
Edição: Valéria Aguiar
Fonte: AgĂȘncia Brasil