Nesta segunda-feira (31), o presidente Luiz InĂĄcio Lula da Silva sanciona a Lei de Incentivo às Escolas de Tempo Integral. O texto regulamenta o repasse de recursos e de assistĂȘncia técnica da União para estados e municĂpios no intuito de ampliar o nĂșmero de vagas nessa modalidade de ensino, que prevĂȘ uma jornada igual ou superior a sete horas diĂĄrias, ou 35 horas semanais.
A previsão é de que sejam investidos R$ 4 bilhões no programa, que tem como meta criar, até 2026, 3,6 milhões de novas vagas, sendo 1 milhão de novas matrĂculas logo na primeira etapa.
A convite do Ministério da Educação, o professor Yuri Norberto, do Centro de ExcelĂȘncia Atheneu Sergipense, estĂĄ em BrasĂlia para representar educadores brasileiros na solenidade de sanção da legislação. Sergipe é o quarto estado do Brasil com maior taxa de matriculados no ensino integral – das 318 escolas estaduais, 96 são em tempo integral – 11 de ensino fundamental, trĂȘs de ensinos médio e fundamental, seis de ensino profissionalizante e 76 de ensino médio integral. A previsão é chegar a 156 unidades nos próximos anos.
Em entrevista à AgĂȘncia Brasil, o professor de sociologia citou projetos classificados por ele mesmo como inovadores na educação, como o Atheneu ONU, um modelo de simulação das Nações Unidas em que os alunos simulam ser chefes de Estado, e o Laboratório de Educação e Aprendizagem Digital, no qual os alunos aprendem sobre marketing, programação e produção de conteĂșdo.
Norberto também é o criador do projeto Observatório Internacional da NotĂcia, que tem como objetivo promover uma espécie de alfabetização digital e combater a desinformação.
Confira os principais trechos da entrevista:
AgĂȘncia Brasil: Na sua avaliação, qual a importância da educação em tempo integral no Brasil hoje?
Yuri Norberto: Acho que esse talvez seja o ponto fundamental: o grande salto que o Brasil pode dar agora é a educação em tempo integral porque ela tem essa visão não só de tempo integral, mas da integralidade do aluno. O Brasil jĂĄ conseguiu avançar em alfabetização, em universalizar todos os nĂveis e modalidades da educação bĂĄsica. Estamos prontos pra dar o próximo passo, que é uma educação integral e que, no meu entender, vem sim por meio da educação de tempo integral.
AgĂȘncia Brasil: A partir da sua experiĂȘncia com a educação integral, o que essa modalidade produz nos alunos?
Yuri Norberto: A gente costuma dizer, na educação em tempo integral, que a pedra fundamental é o projeto de vida: qual o sonho que o aluno traz pra escola e como a escola pode potencializĂĄ-lo pra que ele alcance esse objetivo? Não é possĂvel que a gente não consiga trabalhar e dar ao jovem o direito que ele tem de entender quem ele é e projetar quem ele quer ser e quais espaços quer alcançar.
Na educação integral, tudo o que a gente faz, leciona e organiza tem como base o projeto de vida dos alunos. É como se fosse um projeto de customização da educação – a gente adapta a escola àqueles alunos pra que ela atenda àqueles projetos de vida. AĂ sim a educação faz sentido. Eu, aluno, vou estar em um lugar que me acolhe, que me entende e que me ajuda a potencializar quem eu sou.
AgĂȘncia Brasil: Dentro desse contexto do ensino integral, que tipo de ações colaboram para a permanĂȘncia dos estudantes nas escolas?
Yuri Norberto: A tutoria é um processo muito interessante. É um direito que o aluno tem, de ter uma conversa com alguém que vai orientĂĄ-lo. Temos também as disciplinas eletivas, que a gente chama de parte diversificada do currĂculo. No momento em que a gente pega o currĂculo, ele vai se apresentar de diferentes formas pro aluno – às vezes, de maneira mais lĂșdica, às vezes, de maneira um pouco mais prĂĄtica.
É nessa escola que os alunos gostam de estar e onde o processo de aprendizagem é dinâmico, plural, diverso e envolvente. Então, a escola começa a fazer sentido. Ela passa a ser um lugar de afeto e acolhimento atrelado ao aprendizado.
AgĂȘncia Brasil: Quando a gente fala em formação integral, é preciso fomentar uma polĂtica educacional que preze pela valorização do professor?
Yuri Norberto: A valorização tem dois caminhos. Claro que tem a valorização salarial, muito importante. Mas hĂĄ também uma valorização da formação do professor. É preciso que o professor tenha a oportunidade de refazer a sua formação e aprender coisas novas. A valorização do professor passa por esses dois caminhos: acolhimento, apoio, salĂĄrio, mas, principalmente, formação.
AgĂȘncia Brasil: As mudanças exigiriam, portanto, alterações nos currĂculos e nas jornadas de trabalho dos profissionais de educação?
Yuri Norberto: Sim. Se vocĂȘ olhar, todas as profissões mudaram ao longo do tempo. Nós não serĂamos exceção. Talvez a profissão de educador seja a Ășltima a estar mudando. A gente continua com a mesma forma de contratação e de distribuição de carga horĂĄria. Parece que ficamos pra trĂĄs. Na verdade, implementar essas alterações nos currĂculos e nas jornadas de trabalho dos profissionais de educação seria acompanhar o passo que a sociedade estĂĄ dando.
AgĂȘncia Brasil: O senhor pode detalhar alguns dos projetos que encabeça atualmente e que envolvem o ensino integral?
Yuri Norberto: Vou destacar dois. O Atheneu ONU, um modelo de simulação das Nações Unidas em que os alunos simulam ser chefes de Estado de diversos paĂses. Eles pesquisam sobre outros paĂses, a parte polĂtica e geogrĂĄfica. A partir desse conhecimento, eles precisam mobilizar um conjunto de tarefas, aprender a negociar, conversar e a estabelecer prioridades. Assim, a gente vai desenvolvendo o ser humano como um todo.
Outro projeto que temos é o Laboratório de Educação e Aprendizagem Digital. Os alunos aprendem marketing, programação, produção de conteĂșdo. Costumo dizer que é a escola dentro da escola, jĂĄ que a gente refaz o processo de aprendizagem e leva pra dentro da escola coisas que geralmente eles não aprenderiam lĂĄ.
AgĂȘncia Brasil: Como o senhor vĂȘ essa retomada de uma polĂtica nacional para ampliar as matrĂculas no ensino em tempo integral?
Yuri Norberto: Vejo com muita esperança. Afinal, a gente passou um perĂodo com a educação em tempo integral com limitação de expansão. Essa retomada agora com força, com pujança, com um projeto de lei, o que é muito importante, jĂĄ que, até então, existia só uma portaria. É até uma segurança jurĂdica, algo que vai ficar, algo que a sociedade toda estĂĄ demandando. Vejo com muitos bons olhos.
Finalmente, estão enxergando a educação em tempo integral não só como algo exótico e bem sucedido pontualmente, mas como algo que a gente precisa fazer para todo o paĂs, como uma polĂtica de massa.
Edição: Denise Griesinger
Fonte: AgĂȘncia Brasil