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Imprensa acerta quando não noticia detalhes de ataques em escolas

Avaliação Ă© de participantes de congresso internacional de jornalismo

Por Bruno de Freitas Moura - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro em 18/09/2023 às 19:43:49
© Rovena Rosa/Agência Bras

© Rovena Rosa/Agência Bras

VeĂ­culos de imprensa adotam a postura correta quando evitam dar detalhes sobre ataques armados em escolas. A cautela com a informação é uma forma de evitar um "efeito contĂĄgio" que poderia estimular novos casos de violĂȘncia.

A avaliação é de especialistas e jornalistas que participaram nesta segunda-feira (18) do 7Âș Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, em São Paulo. O evento é organizado pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca).

Uma das participantes das mesas de debate foi a americana Sherry Towers, referĂȘncia em pesquisas sobre o impacto da cobertura da imprensa nos ataques a escolas nos Estados Unidos. Analisando a recorrĂȘncia de episódios de ataques em estabelecimentos de ensino, ela chegou à conclusão de que hĂĄ um efeito contĂĄgio, ou seja: pessoas se inspiram em casos noticiados para tomar atitudes semelhantes.

"De 20% a 30% dos tiroteios em escolas nos Estados Unidos acontecem devido ao contĂĄgio. E o perĂ­odo de contĂĄgio é aproximadamente duas semanas", afirma.

A especialista americana ressalta que os relatos de violĂȘncia em escolas no Brasil são mais recentes que nos Estados Unidos, o que dificulta uma anĂĄlise mais precisa, mas infere que "a dinâmica dos dados mostra que o contĂĄgio, muito provavelmente, tem um papel muito significativo no Brasil".

Ataques no Brasil

Um levantamento do Instituto Sou da Paz aponta que, desde 2021, o Brasil registrou 24 ataques em escolas, que deixaram 45 mortes. Mais da metade deles nos Ășltimos quatro anos.

Sherry Towers defende que a imprensa tenha cautela com as informações relativas a atos de violĂȘncia que vitimam estudantes. Ela lembra do episódio que ficou conhecido como Massacre de Columbine, em Denver, nos Estados Unidos, que terminou com 15 mortos. "A mĂ­dia forneceu um verdadeiro roteiro. Por exemplo, que roupa eles usaram, que tipo de armas, as estratégias", critica.

A pesquisadora faz uma associação desse caso com dois ataques no Brasil: um em Suzano, na região metropolitana de São Paulo, em 2019, que teve dez mortes ao todo; e outro em Realengo, Rio de Janeiro, em 2011, quando um atirador matou 12 crianças.

"Os atacantes copiaram o perfil dos crimes", aponta. Segundo a americana, divulgar detalhes sobre como os agressores agem e se vestem "não é pertinente para prevenir outros ataques".

Recomendação

A avaliação da especialista vai ao encontro da recomendação da Jeduca para veĂ­culos de imprensa. Segundo a associação, para esse tipo de cobertura delicada não é recomendĂĄvel informar nome dos agressores, detalhes sobre como os ataques e mortes se desencadearam, roupas utilizadas ou ambientes virtuais onde conseguiram informações que ajudaram no crime.

Após casos ocorridos este ano na cidade catarinense de Blumenau e em São Paulo, vĂĄrios veĂ­culos de imprensa adotaram as recomendações. A Empresa Brasil de Comunicação adota esse protocolo em sua cobertura jornalĂ­stica.

Outra participante na mesa de debate foi a professora do departamento de psicologia educacional da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Telma Vinha. A mesa foi mediada pela vice-presidente da Jeduca e repórter da AgĂȘncia Brasil, Mariana Tokarnia.

A especialista da Unicamp faz um mapeamento de casos de ataques a escolas brasileiras. Ela identifica que o perfil dos agressores indica problemas psicológicos, histórico de bullying e associação com ideias de intolerância, como homofobia, racismo e discursos de ódio. Ela classifica esse conjunto como um cenĂĄrio de adoecimento mental, fomentado também pelas redes sociais.

A professora defende que a cobertura da imprensa sobre educação não seja apenas sobre dados quantitativos, resultados, e que haja uma preocupação também com o ambiente escolar.

"Qualidade de clima e convivĂȘncia são funções sociais principais da escola".

Sobre veĂ­culos de imprensa concordarem em limitar a divulgação de detalhes de ataques a escolas, Telma observa de forma positiva. "Foi algo louvĂĄvel, não foi por leis", observa. "Foi um processo de autorregulação da mĂ­dia, e não um processo acrĂ­tico, foi um processo com discussões, debates, questionamentos".

Sherry Towers também defende que esse controle da mĂ­dia seja por forma de autorregulação, sem imposição do Estado.

"Esse é um caminho [regulação pelo governo] que causa muito deslize. É complicado falar para a mĂ­dia o que ela pode ou não pode dizer. A melhor forma é a própria mĂ­dia escolher a sua autorregulação", diz.

PrĂĄtica nas redações

Outra mesa de debates do primeiro dia do congresso da Jeduca reuniu apenas jornalistas. Victor Vieira, do Estado de São Paulo, ressaltou que a iniciativa de limitar a divulgação de detalhes de ataques precisou vir acompanhada de esclarecimentos da decisão para evitar interpretações equivocadas por parte dos leitores.

"TransparĂȘncia com o pĂșblico para não parecer que é minimizar o ataque, que é um acobertamento, que é não querer mostrar quem é o responsĂĄvel pelo crime", explica.

Laura Mattos, da Folha de S.Paulo, classifica a decisão como sair do "piloto automĂĄtico" e explica que o jornal analisa caso a caso as discussões.

"Foi interessante ter levado essa discussão para as pĂĄginas do jornal para mostrar o que a sociedade estava pensando e o que a gente podia internamente discutir e levar para os leitores", conta.

Para MaurĂ­cio Xavier, do O Globož ainda estão em progresso as discussões sobre a forma ideal de cobertura de casos como esses. Por exemplo, a pertinĂȘncia de fazer reportagens com perfis das vĂ­timas e cobrir velórios. "São episódios muito duros de cobrir", afirma.

"Eu acho que é uma discussão que ainda vai se ampliar e, talvez, a gente tenha que definir mais parâmetros no futuro".

Com experiĂȘncia de ter coberto para o jornal A Tribuna os ataques a escolas em Aracruz, no EspĂ­rito Santo, em 2022, a jornalista Lorrany Martins destaca o papel da imprensa como fonte confiĂĄvel de informação.

"As pessoas tĂȘm curiosidade em saber o que estĂĄ acontecendo e elas procuram o jornalismo para entender", aponta. "As pessoas começaram a receber as informações pelo WhatsApp, mas elas não acreditaram, elas queriam uma confirmação do jornal, da TV", completa.

"A gente fica numa situação complicada de, pela questão ética, não dar detalhes para não provocar o efeito contĂĄgio, mas também não pode só dar uma nota, o fato e pronto", opina a jornalista.

Congresso Jeduca

A programação do congresso termina na terça-feira (19). No encontro, são debatidos assuntos como inteligĂȘncia artificial no jornalismo, novo ensino médio e educação midiĂĄtica. Na abertura do encontro, nesta segunda-feira, os destaques foram projetos jornalĂ­sticos que recontam a história em perspectiva afrocentrada.

Edição: Denise Griesinger

Fonte: AgĂȘncia Brasil

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